domingo, 22 de junho de 2014

Dos Interesses Paralelos

Durante o almoço num típico restaurante asiático, os amigos, todos colegas do curso de idioma, conversavam na língua estrangeira para praticar. As duas professoras, sendo uma de cada nível, eram falantes nativas e portanto, auxiliavam seus alunos da melhor forma como podiam. Definitivamente, a ideia de conversar com os estudantes fora da sala de aula era ótima.

Todos os alunos ali sentados cursavam alguma engenharia. Gente da boa camada social, todos bem colocados e bem prestigiados. Um deles possuía uma lamborghini - outro, duas. O que impediria os nossos bons e bonitos homens de bem de tentar algo com quaisquer das professoras? Nada. Inclusive, uma delas correspondia às investidas de um rapaz específico, o qual vou chamar de Camilo. Tal rapaz observava as jovens estrangeiras e as achava diferentes, sensuais, desafiadoras. Era a falta de costumes brasileiros nelas que o atraía. Então por que não tentar, não é mesmo? 

Já rolava por entre Camilo e a professora Jane uma certa amizade pra lá de especial: possuíam intimidade para utilizar apelidos, ele era um estudante muito dedicado e ela uma professora bastante atenciosa. Jane já havia dito ao rapaz que ele lembrava um pouco o seu pai e os dois constantemente brincavam, lembrando da associação. Os colegas nada incomodados ficavam com tal brincadeira, pois esta lhes parecia apenas de cunho infantil e inocente. Estariam eles errados?

Foi quando conversavam sobre contas a pagar, carros, festas e encontros, que a brincadeira paternal voltou:
- Ele parece muito com meu pai às vezes, tenta cuidar de mim enquanto vivo no Brasil! - brincou Jane, obviamente tentava estabelecer uma relação simpática com seus alunos. - Até sua aparência lembra o meu pai, veja só! - disse isso cutucando a orelha de Camilo, sabe-se lá em alusão a quê. 
- Hoje vai pagar minha conta no restaurante, certo? - Jane parecia se divertir com a ideia de ter um "pai" brasileiro.
- Era só o que me faltava, agora tenho que cuidar de estrangeiras! - Camilo respondia, ou correspondia, de forma igualmente divertida. 
- Você pode pagar a conta da Lucy também, que acha? Duas filhas! - Jane o disse percebendo o tom quase erótico que a frase poderia ter, mas não se importou. Talvez pensasse que no Brasil esse "tipo de coisa" não teria qualquer problema. - E então, quer que o Camilo seja seu pai também, Lucy? 

Lucy - que era também jovem, também estrangeira e também muito bonita aos olhos de Camilo - levou um copo de chá à boca e disse de maneira quase que constrangida:
- Irmão, ele pode ser meu irmão. 
- Mas irmãos não fazem esse tipo de coisa! - Redarguiu Jane.
- Um irmão muito simpático, então. 

De repente, a mesa foi tomada pela malícia. Agora, os interesses de Camilo estavam óbvios, e os de Jane também. Lucy não sabia mais se deveria ter entrado na brincadeira ou se fizera certo em quebrar com o clima. Voltou a comer rapidamente com seus palitinhos e esperou silenciosamente que o momento tenso passasse. Felizmente passou, todos voltaram a falar de contas a pagar, carros, festas e encontros.

No fim, fora um almoço muito agradável para todos. Puderam os estudantes conversar e criar novos vínculos extraclasse, tirar dúvidas, praticar a língua, dividir experiências, etc. Fotos foram tiradas e postadas nas redes sociais, comentários, risos, smartphones, um evento sucesso em termos de prestígio!

O único ponto fraco de todo o almoço fora a destruição completa das esperanças, por parte de Camilo, de participar de um ménage à trois com fetiches pseudo-incestuosos. :(

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Terapia da banheira

Ao mesmo tempo que eu, honestamente, gostaria que você morresse; gostaria que também vivesse.

Boa parte do que sinto agora é culpa sua, insistência sua, egoísmo seu. Você colaborou para o meu atual estado de consciência: me largou no nada, me descuidou, me humilhou, me fez sentir na pele a dor do desprezo.

Gostaria que você morresse de uma forma extremamente violenta, demorada, sem qualquer piedade. Eu lhe amarraria no meu teto e lhe fincaria espadas, lhe poria fogo, lhe arrancaria membros. Você seria finalmente desprovido de todos os privilégios dos quais gozou até agora, eles não importariam enquanto estivesse aqui. Seu choro não mais me comoveria, causando-me riso: cada lágrima vale uma alegria roubada. Quando a morte finalmente lhe viesse, eu deixaria sua carcaça ali, me banharia com seu sangue a cada dia e me deliciaria com o fedor de sua carne rota. Eu quero celebrar o seu definhamento.

Por isso, morra.
Morra em mim, dentro das lembranças ruins. Encontre a lâmina a rasgar minha pele, liberte-se das minhas lembranças. Vá com o sangue dos filetes dos meus pulsos. Misture-se com a água quente e ladeie meu corpo. Esvaia-se ao ralo e fique por lá. 

No entanto, um revés: no sucesso da sua ida, sinto que é inevitável lembrar das coisas boas que me proporcionou. Talvez seja tarde para remediar, mas o tempo me diz que tudo pode ser diferente. Recordo de tudo o que passamos juntos, crescemos, enfrentamos e aprendemos. Não foram poucas coisas, tanto que até chego a lhe desejar o contrário. Você me ensinou, me abraçou e me fez sentir a verdade de alma. 

E realmente, lhe desejo vida.
Quero ver suas felicidades alcançadas, seu corpo em bom estado e sua mente em melhor ainda. Eu lhe presentearia com aquele livro que ficou pendente e um abraço solidário lhe seria dado a todo o encontro. Sim, você aproveitaria todos aqueles privilégios; mas isso não importa, estou na sua vida. Seu riso, seria o meu riso também: as fortunas agora são vividas em harmonia, sem que os anseios de um ou de outro se contradigam. A cada conquista sua, eu celebraria, pois ela é minha também, da maneira mais óbvia que possa parecer. 

E então, viva.
Viva no meu espelho, nas minhas roupas, nas contradições que ficaram de nós. Esteja ao alcance do meu pensamento a todo instante, fique comigo, mostre-se presente. Permaneça na insensatez da nossa relação e festeje a nossa incoerência.

Nós nunca pertencemos um ao outro, mas vamos fundir-nos em nós mesmos, pois é assim que deve ser: como a antítese barroca, acomodando opoentes na mesma cama. Juntos, inversos, sobrepostos e opostos, estaremos grudados pela negação das duas partes.

Dedico isso, de maneira alguma a qualquer dos meus amores, mas a mim mesmo, Shkolinik.