quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Pequenas constatações vergonhosas de uma tarde em que eu faltei à aula e me sinto levemente mal, mas não tão mal, só um pouco

  • Beleza? Importa sim. Na verdade, ela desempenha um papel fundamental para o entendimento dos meus relacionamentos afetivos. Quando estou com alguém que considero mais bonito, tendo a ter crises de baixa auto-estima; quando estou com alguém que considero mais feio, tendo a ter picos de boa auto-estima. Segundo minha ridícula hipótese, isso diz respeito a comparações. Ao contemplar um rosto por muito tempo, memorizo-o para inconscientemente compará-lo ao meu próprio rosto mais tarde. Relativizando a beleza - ao deparar com um rosto mais bonito, sinto-me mal. Bem egoísta e infantil.
  • Apesar dos pesares, eu sinto ciúmes. Aprendi a possuir as pessoas. Feias, bonitas, inteligentes, burras. Todas elas. Quero-as todas pra mim. E adivinha? Demonstrar que você é um ser humano singular - com seus próprios pensamentos, conclusões, círculo de amizade, segredos, ambições - significa que você não está pertencendo a mim. E isso me incomoda. (Ao mesmo tempo, não quero me relacionar com uma ameba. Bem confuso.)
  • Minha auto-estima estaria em melhor estado se eu levantasse minha bunda da cama e resolvesse alguma das minhas pendências. Mas nahhhhhh.
Bom, acho que é isso.
Eu sou tão desprezível que quero dormir mais.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Claudiomiros da Rosa

Nomes são coisas engraçadas.

Meu pai, Claudiomiro da Rosa, morreu há alguns anos num acidente de trânsito. Hoje seria aniversário dele e por lembrar resolvi jogar seu nome no google. Com uma rápida busca, descobri o óbvio: existiram outros Claudiomiros da Rosa.

A grande surpresa é que esses outros senhores, ex-proprietários do mesmo nome do meu pai, morreram da mesma maneira que ele.

Curioso, no mínimo.

Links das notícias:

http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2012/04/acidente-mata-duas-pessoas-em-miraguai-3727360.html

http://radiocaxias.com.br/portal/noticias/acidente-deixa-uma-vitima-fatal-na-br116-39694

*

Pai, o quão bom seria se tu estivesse aqui hoje?
Não sei se teríamos uma relação boa, não sei mesmo.
De qualquer jeito... se de alguma maneira me lês, saiba que tua presença fez muita falta aqui.

Não há o que fazer, as pessoas morrem.
Aproveitar aqueles que ainda estão aqui é o que resta.

Nesta viagem só há um destino, apesar dos diferentes caminhos.

Te amo, pai!
Mas é simplesmente injusto dedicar-me pra ti agora.
Preciso cuidar dos meus vivos.

Beijos, se cuida aí onde é que tu estejas.

*

sábado, 16 de agosto de 2014

caga tudo e vai

Fazes um tremendo esforço.

Espreme todas as tuas entranhas na tentativa de expelir o resto.
O resto do que ingeriu, o resto do que consumiu, o resto do que colocaste para dentro - sem pensar.
Sabes que não é só um conjunto de destroços desorganizados - muito menos excedentes corporais dos quais não mais precisas. O resto maldito e fedorento é muito mais que isso.

Muito mais do que o resultado de uma má ingestão emocional, do que o excreto do coração (que é às vezes é delgado, às vezes grosso) e muito mais, mas muito, muitíssimo mais, do que um mero conjunto de lembranças absorvidas nas refeições.

O resto é a detestável comida que a última deglutição te proporcionou.
Tal merda é quente quando dentro de ti e fria, gélida, quando expelida. Ela faz doer as pregas e causa que repenses se vale a pena ingerir manjares outra vez.
É espessa e vem em pequenas bolinhas, que grudam na tua parede mental e te contaminam a espalhar discórdia, medo, insegurança, seguindo de uma torrente de outras emoções bostíficas, cocozentas e merdênicas. Parecem uns cancros, só que de bosta, sabes? Cancros cheios de tanta imundice que nem o esfíncter relaxa, nem o  reto contrai. Chupaste todo aquele excremento pra dentro de si, encheste o âmago de sujeira, vai colocar tudo pra fora como?

Agora tu estás aí: acocado, com a cara suada e o cu latejando. Te fode.

Mas sabes qual é a pior parte?
É que é fácil de resolver.
Relaxa.
Teu esforço é estúpido, vão e frustrado.
Não adianta ficar aí, te comprimindo, te afligindo.

Vê se relaxas o rabo que vai.
Vai que é uma beleza.
Caga tudo e vai.

Só não posso te prometer que o processo seja indolor. 

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

sobre o método de um taxista para a aquisição da inatividade mental completa e plena

Um monólogo (curto, infelizmente) transcrito de um taxista qualquer do centro de Novo Hamburgo - Rio Grande do Sul. Não há quaisquer edições ou revisões da norma culta na transcrição.

O meu método [para inatividade mental] é atingir o meu eu.
É o meu conhecimento, a sabedoria.
E a sabedoria não é um produto do pensamento, a sabedoria é um profundo conhecimento que vem do simples ato de dar total atenção a alguém ou alguma coisa.
Então a atenção é a inteligência primordial: ela dissolve todas as barreiras criadas pelo pensamento num campo unificado.
Aonde nos mostra que nada existe em si e tudo está num campo unificado.
Então é a atenção que procura unificar tudo isso.


 Foi simplesmente o trajeto mais apressado, porque eu estava atrasado e inusitado da vida.

domingo, 22 de junho de 2014

Dos Interesses Paralelos

Durante o almoço num típico restaurante asiático, os amigos, todos colegas do curso de idioma, conversavam na língua estrangeira para praticar. As duas professoras, sendo uma de cada nível, eram falantes nativas e portanto, auxiliavam seus alunos da melhor forma como podiam. Definitivamente, a ideia de conversar com os estudantes fora da sala de aula era ótima.

Todos os alunos ali sentados cursavam alguma engenharia. Gente da boa camada social, todos bem colocados e bem prestigiados. Um deles possuía uma lamborghini - outro, duas. O que impediria os nossos bons e bonitos homens de bem de tentar algo com quaisquer das professoras? Nada. Inclusive, uma delas correspondia às investidas de um rapaz específico, o qual vou chamar de Camilo. Tal rapaz observava as jovens estrangeiras e as achava diferentes, sensuais, desafiadoras. Era a falta de costumes brasileiros nelas que o atraía. Então por que não tentar, não é mesmo? 

Já rolava por entre Camilo e a professora Jane uma certa amizade pra lá de especial: possuíam intimidade para utilizar apelidos, ele era um estudante muito dedicado e ela uma professora bastante atenciosa. Jane já havia dito ao rapaz que ele lembrava um pouco o seu pai e os dois constantemente brincavam, lembrando da associação. Os colegas nada incomodados ficavam com tal brincadeira, pois esta lhes parecia apenas de cunho infantil e inocente. Estariam eles errados?

Foi quando conversavam sobre contas a pagar, carros, festas e encontros, que a brincadeira paternal voltou:
- Ele parece muito com meu pai às vezes, tenta cuidar de mim enquanto vivo no Brasil! - brincou Jane, obviamente tentava estabelecer uma relação simpática com seus alunos. - Até sua aparência lembra o meu pai, veja só! - disse isso cutucando a orelha de Camilo, sabe-se lá em alusão a quê. 
- Hoje vai pagar minha conta no restaurante, certo? - Jane parecia se divertir com a ideia de ter um "pai" brasileiro.
- Era só o que me faltava, agora tenho que cuidar de estrangeiras! - Camilo respondia, ou correspondia, de forma igualmente divertida. 
- Você pode pagar a conta da Lucy também, que acha? Duas filhas! - Jane o disse percebendo o tom quase erótico que a frase poderia ter, mas não se importou. Talvez pensasse que no Brasil esse "tipo de coisa" não teria qualquer problema. - E então, quer que o Camilo seja seu pai também, Lucy? 

Lucy - que era também jovem, também estrangeira e também muito bonita aos olhos de Camilo - levou um copo de chá à boca e disse de maneira quase que constrangida:
- Irmão, ele pode ser meu irmão. 
- Mas irmãos não fazem esse tipo de coisa! - Redarguiu Jane.
- Um irmão muito simpático, então. 

De repente, a mesa foi tomada pela malícia. Agora, os interesses de Camilo estavam óbvios, e os de Jane também. Lucy não sabia mais se deveria ter entrado na brincadeira ou se fizera certo em quebrar com o clima. Voltou a comer rapidamente com seus palitinhos e esperou silenciosamente que o momento tenso passasse. Felizmente passou, todos voltaram a falar de contas a pagar, carros, festas e encontros.

No fim, fora um almoço muito agradável para todos. Puderam os estudantes conversar e criar novos vínculos extraclasse, tirar dúvidas, praticar a língua, dividir experiências, etc. Fotos foram tiradas e postadas nas redes sociais, comentários, risos, smartphones, um evento sucesso em termos de prestígio!

O único ponto fraco de todo o almoço fora a destruição completa das esperanças, por parte de Camilo, de participar de um ménage à trois com fetiches pseudo-incestuosos. :(

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Terapia da banheira

Ao mesmo tempo que eu, honestamente, gostaria que você morresse; gostaria que também vivesse.

Boa parte do que sinto agora é culpa sua, insistência sua, egoísmo seu. Você colaborou para o meu atual estado de consciência: me largou no nada, me descuidou, me humilhou, me fez sentir na pele a dor do desprezo.

Gostaria que você morresse de uma forma extremamente violenta, demorada, sem qualquer piedade. Eu lhe amarraria no meu teto e lhe fincaria espadas, lhe poria fogo, lhe arrancaria membros. Você seria finalmente desprovido de todos os privilégios dos quais gozou até agora, eles não importariam enquanto estivesse aqui. Seu choro não mais me comoveria, causando-me riso: cada lágrima vale uma alegria roubada. Quando a morte finalmente lhe viesse, eu deixaria sua carcaça ali, me banharia com seu sangue a cada dia e me deliciaria com o fedor de sua carne rota. Eu quero celebrar o seu definhamento.

Por isso, morra.
Morra em mim, dentro das lembranças ruins. Encontre a lâmina a rasgar minha pele, liberte-se das minhas lembranças. Vá com o sangue dos filetes dos meus pulsos. Misture-se com a água quente e ladeie meu corpo. Esvaia-se ao ralo e fique por lá. 

No entanto, um revés: no sucesso da sua ida, sinto que é inevitável lembrar das coisas boas que me proporcionou. Talvez seja tarde para remediar, mas o tempo me diz que tudo pode ser diferente. Recordo de tudo o que passamos juntos, crescemos, enfrentamos e aprendemos. Não foram poucas coisas, tanto que até chego a lhe desejar o contrário. Você me ensinou, me abraçou e me fez sentir a verdade de alma. 

E realmente, lhe desejo vida.
Quero ver suas felicidades alcançadas, seu corpo em bom estado e sua mente em melhor ainda. Eu lhe presentearia com aquele livro que ficou pendente e um abraço solidário lhe seria dado a todo o encontro. Sim, você aproveitaria todos aqueles privilégios; mas isso não importa, estou na sua vida. Seu riso, seria o meu riso também: as fortunas agora são vividas em harmonia, sem que os anseios de um ou de outro se contradigam. A cada conquista sua, eu celebraria, pois ela é minha também, da maneira mais óbvia que possa parecer. 

E então, viva.
Viva no meu espelho, nas minhas roupas, nas contradições que ficaram de nós. Esteja ao alcance do meu pensamento a todo instante, fique comigo, mostre-se presente. Permaneça na insensatez da nossa relação e festeje a nossa incoerência.

Nós nunca pertencemos um ao outro, mas vamos fundir-nos em nós mesmos, pois é assim que deve ser: como a antítese barroca, acomodando opoentes na mesma cama. Juntos, inversos, sobrepostos e opostos, estaremos grudados pela negação das duas partes.

Dedico isso, de maneira alguma a qualquer dos meus amores, mas a mim mesmo, Shkolinik.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

os selfies

Miranda chegou em casa cedo, antes das 19 horas.
Deitou-se no sofá da sala e sentiu a urgência de pegar seu celular. Agora que estava em casa, tinha a maravilhosa cobertura de internet sem-fio, poderia enfim mergulhar no mundo de prestígio virtual. A primeira mensagem na sua caixa de entrada era de uma colega que a alertava sobre a entrega de um trabalho de biologia; a segunda, um pedido desesperado de prestígio na mesma rede social; havia uma terceira e talvez uma quarta, mas Miranda não se deu ao trabalho, tinha outras prioridades.

Iniciando o aplicativo da câmera, ponderou sobre a pose e a expressão facial adequada, escolheu a câmera frontal para melhor previsão do resultado e estendeu as mãos com o celular à sua frente. Isso mesmo, a adolescente agora está a tirar uma selfie: a expressão irrevogável da supremacia do eu público sobre o eu particular. 

Tal fenômeno não poderia existir fora da esfera virtual; pois nela, o grau de importância é demonstrado somente através da popularidade de cada um, causando alguns fenômenos curiosos. O mais interessante deles ocorre no facebook: quase todos partilham da solidariedade coletiva do prestígio público, ou seja, por mais que você nunca tenha conversado com certa pessoa; esta irá lhe adicionar e - nunca lhe dirigindo a palavra diretamente - curtir suas fotos, postagens e comentários. O sentimento geral é de que todos precisamos de curtidas para a manutenção de nossa popularidade virtual (e consequentemente de nossa auto-estima), acarretando na empatia que mencionei antes. Afinal, hoje é ela quem posta uma selfie, amanhã pode ser eu.

Algumas pessoas inovam na selfie para alcançar maior prestígio: abraçam-se a seus animais de estimação, fazem caretas engraçadas, colocam os pais, tios e avôs na foto, etc. Miranda, não. Ela sabia que sua abordagem de maior sucesso consistia num filtro retrô qualquer, cabeça inclinada para o lado, um rosto meio inexpressivo e um excerto de uma música de sucesso na legenda. 

Foi assim mesmo que concluiu a tarefa. Sentiu a leve apreensão segundos antes da primeira notificação chegar, depois o alívio, três de seus amigos curtiam. Meia hora depois, boa parte do seu círculo já tinha contribuído para com ela, fizeram a boa-ação do dia. Os mais próximos comentaram "linda!" ou "Minha gatinha!", não se sabe se o ato fora de real admiração ou de puro interesse em sub-prestígio.

Nas próximas horas, a garota esteve em seu quarto ouvindo música. Estendeu-se na cama e refletiu sobre os acontecimentos do dia, as tarefas escolares permearam sua mente, mas Miranda não tinha ânimo algum para começá-las. Não só atividades ordinárias da escola lhe afligiam agora, uma barulhenta discussão começava no quarto ao lado, eram seus pais trazendo à tona alguns conflitos familiares. Ela aumentaria o volume dos auto-falantes se pudesse, não queria ouvir mais nada, mas já estava cansada e com sono. Decidiu então desligar as luzes e dormir ali mesmo, como estava, ao som dos blues noturnos daquela rádio genérica.

E dormiu bem, pois sua selfie tinha mais de 50 curtidas.